segunda-feira, 13 de junho de 2011

Férias - II

férias

parte Ii


Todos os anos, Vovô aparecia com uma novidade. Mas aquele ano foi pra lá de especial.

Imaginem que ao chegar, no começinho de dezembro, nos deparamos com um casal de coelhos, que se juntaram aos pavões, faisões, galinholas, patos, marrecos irerê, gansos, perus, galinhas, cágado com casco redondo, cágado com casco achatado, além, é claro, do gado, dos cavalos, dos cachorros, dos gatos, isso sem falar no viveiro, onde a araponga trinava feliz e o tiê sangue era o mais lindo de todos.

Acho que uns três dias depois da nossa chegada, a coelha teve filhotes (que agora não me lembro quantos), que por sua vez, ao longo das férias, também foram se reproduzindo. O cercado virou um mar de coelhos!

Como se não bastasse a “coelhada”, um belo dia, um dos empregados chegou lá das bandas da Balança com uma cabritinha linda. Ela estava prestes a parir.

Foi acomodada no pasto da frente, que não era bem um pasto, mas sim um grande cercado de tela, exatamente em frente a casa, onde ficavam as plantações de abacaxi, melancia e aipim. Naquela ocasião só havia terra tombada.

Havia junto à tela do cercado, um enorme coqueiro, meio torto, bem de frente. Havia um pé de goiaba, ou melhor, dois! Um de goiaba vermelha e outro de goiaba branca, que ficavam ao lado do galinheiro rente ao pomar. Havia também um lindo pé de flamboyant, lá no final do cercado, do lado esquerdo, na divisa com o pasto de Assombro.

Assombro era um dos cavalos de Vovô. Um garanhão tordilho – lindo – que só era montado por ele, com crina e cauda muito bem cuidados. Aliás, os cavalos da Fazenda tomavam banho todos os dias. Adorávamos ficar olhando Mazinho esfregar os animais com sabão de côco. Corrente e farta, a água era pura e límpida. Morro abaixo, diretamente do córrego, encanada numa tubulação de ferro de boas polegadas que terminava na piscina.

Sim! Na piscina. A piscina era imensa. Mamãe e as tias mais velhas (Tia Lena, Tia Neide e Tia Vera) contavam que ali era uma espécie de vale, onde havia um grande pomar ou coisa parecida e que também havia uma casa de marimbondos e sobre a qual um deles se esborrachou. Na realidade, contavam que tinha sido Tio Carlinhos, que era, de todos, o “mais espírito de porco”.

Muitos anos antes de eu nascer, quando os tios mais velhos ainda eram pequenos, Vovô resolveu construir uma barragem, cimentar o morro, e ali, naquele “vale”,  nasceu a piscina mais linda do mundo! Tinha formato irregular. Uma área com areia (sem trocadilho) e uma piscina rasa para quem ainda não sabia nadar. Uma mureta demarcava os territórios – livre ou perigoso.

O cimento era grosso, muito grosso, e as raladas ainda são nítidas nas minhas pernas. Como uma espécie de tatuagem, as cicatrizes adquiridas, depois de tratadas com iodo passavam a ocupar a galeria das conquistas. Conforme o grau do “acidente”, maior e mais profunda era a ferida. E estas eram consideradas como verdadeiros troféus.

Lembro-me que num ano eu levei a minha Monareta. Uma Monark 70, vermelha. Caí tanto e me ralei tanto que Vovô proibiu o uso da bicicleta. E pelo restante do período de férias, trancou-a no atelier localizado ao lado do seu escritório. Ainda bem! Não sei o que poderia acontecer... nós éramos umas pestes!

À tardinha tomávamos banho e ficávamos na varanda, de conversa fiada, aguardando a hora do jantar. Comíamos na mesa da copa (a mesa da sala de jantar era somente para os adultos).

Após o jantar, sentávamos outra vez na varanda e ficávamos nos exibindo: cada um queria ter mais cicatrizes que o outro. E olha que tinha de tudo: prego no pé, topadas, raladas na piscina, mordida de traíra ou de jundiaí, rasgão no arame farpado, corte de faca (estes oriundos de descascar laranja ou cana de açúcar).

No caso da cana de açúcar, descobrimos  uma serra muito potente, no formato de meia lua, que ficava pendurada no barracão da máquina de ração e que era muito melhor para descascar do que a faca. Usávamos a serra escondido. Os adultos não podiam saber.

Falando nos adultos...

 – Oito horas! Dizia Tia Lena.

A conversa cessava e era hora de dormir.




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