quinta-feira, 9 de junho de 2011

Férias - I

férias

parte I


O pé encardido. A chaleira fumegante despejando água fervente na banheira amarela, de textura bem lisinha... daquelas bem escorregadias. As tias cortando limão e mandando que eu os esfregasse nos pés na vã tentativa de “clareá-los”.

Era o penúltimo dia de férias. Isso significava que no dia seguinte, bem de madrugada, muito antes do raiar do sol, estaríamos na estrada. Mais uma vez ficaria para trás mais um longo período de férias. Eram praticamente noventa dias de puro deleite.

Todos os anos era o mesmo ritual. Acordar muito cedo. “Ter” que tomar café porque a “viagem era longa”. Imaginem só: de Triunfo a Campos – cerca de cem quilômetros de distância.

Tomar café? Café, que nada! Era leite! Um leite quente, horroroso, de vaca de verdade (quando não era de búfala!), bem gordo, com um pingo de café e um pouco de açúcar.

Ainda posso sentir aquele “cheiro de focinho de bezerro” que, ao enfiar o nariz na xícara, me dava náuseas.

As tias falavam que eu sentia enjôo porque eu iria viajar.

Elas afirmavam, convictas:
– “Anda menina, bebe isso logo. Andar de carro é que dá enjôo!”

E, invariavelmente, eu passava “mal” na viagem. Era um suplício.

Primeiro, ter que deixar a Fazenda. Segundo, o enjôo.

Aquele leite quente chacoalhando no meu estômago... A Rural Willians chacoalhando nos “buléus” da estradinha de Paciência. Era tiro e queda. A parada era obrigatória antes mesmo de chegar na antiga Rodovia Amaral Peixoto. Ou para evitar de sujar o carro, ou para exatamente limpar o carro.

Depois daquilo, no fundo eu me sentia aliviada, apesar das brigas e reclamações dos meus companheiros de viagem que odiavam aquela cena toda. Após me livrar daquele “leite” eu gozava de uma sensação de bem estar indescritível. Podia respirar tranquila e finalmente, curtir a paisagem.

Me lembro bem de umas palmeiras... ou seriam coqueiros?... que avistávamos a alguns quilômetros da estrada de asfalto, bem na entrada de Quissamã, na Fazenda dos Patos (acho que era esse o nome). Nessa hora, o sol começava a apontar no horizonte. Era assim todos os anos. Tenho essa imagem perfeita na minha memória. Acho que Vovô calculava o tempo exato em que deveríamos passar por ali.

O sol, meio vermelho, encabulado. Depois, meio rosado, como se estive nos espreitando. E de repente, amarelo ouro, reluzente. O céu, de branco tomava um azul de brigadeiro. E a vegetação, até então prateada do orvalho, ia se tornando verdinha e muito cheirosa. Andávamos com os vidros abertos, com o vento batendo no rosto. Os mais velhos diziam que era bom para “aliviar o enjôo”.

Que coisa! Os malditos “enjôos”. Anos de sofrimento. Somente muito tempo depois – eu já era adulta – é que fui descobrir que leite de vaca in natura me fazia mal. O problema não era a estrada, muito menos andar de carro. Era o leite! De madrugada. Sem fome. Beber aquele leite... ainda hoje me dá enjôo, só de lembrar.

E assim, a partir daquele ponto, a estradinha de “buléus” ficara para trás. Agora não tinha mais jeito. Não havia como retornar. Era preciso prosseguir para mais um ano escolar.

Na medida em que o carro ia avançando, as brincadeiras e as risadas frouxas daquelas férias iam se distanciando, no entanto, o balanço era feito durante aquele percurso. 

Agora, já com barriga em ordem, eu poderia finalmente sonhar de olhos abertos enquanto serpenteávamos pela antiga Amaral Peixoto.


Um comentário:

  1. Muito gostoso, Astrid, e veja que coincidência: estou escrevendo um texto onde falo deste leite que, em minha terra, chama 'leite mugido', pq sai espumando enquanto a vaca ainda está praticamente mugindo...rs; veja:

    "Eu tinha nojo de leite mugido, porque era morno, não tinha açúcar e fazia espuma, mas tomei no caneco amassado, de alumínio, ao lado do bezerro".

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