domingo, 4 de setembro de 2011

"FAZENDEIRO" E OS BICHOS


- Cá, Guei!
- Cá, Gão!
- Cá, Guerreiro!

Não era assim que deveríamos chamar os cachorros.

Vovô brigava e dizia que o modo correto de se chamar os cães era assim:

- Guei, cá!
- Gão, cá!
- Guerreiro, cá!


De Gão, eu não me lembro. Nem sei se morreu antes mesmo de eu nascer, mas o nome dele era citado sempre.

Guerreiro morreu antes. Era amarelo e meio fedorento. Era desengonçado, de pêlo curto e rabo longo. Não era de muitos amigos, na verdade era muito circunspecto, mas tinha os olhos doces.

Guei. Esse sim era o mais bonito. Uma espécie de colie, vira-lata, mas com porte de quem tem um belo pedigree. Era peludo, meio lanoso, em diversas tonalidades: preto, acinzentado, amarelo e marrom. Parecia um arco-íris em tons de “marrom e preto meio embaçado”.

Na época eu o achava lindo. Hoje, na verdade, tenho a sensação de que era horroroso!

Fedia. Acho que nunca tomou um banho sequer na vida. Era muito bravo e detestava crianças.

Saia atrás do cavalo de Vovô e voltava fedendo mais ainda. Se embrenhava nas valas e voltava molhado e cheio de picos. Ninguém botava a mão nele. Só Fazendeiro.

Ah! Fazendeiro... Esse era o apelido de um empregado da Fazenda. Ele usava dentadura com um detalhe em ouro bem no dente da frente. Ele dizia que ouro no dente era coisa de gente rica, de “fazendeiro”... e por isso mandou botar o detalhe na dentadura. Acho que foi um cigano quem incrustou o tal “ourinho” na dentadura de Fazendeiro.

Aquela dentadura... tínhamos horror a uma mania de Fazendeiro: ele revirava a dentadura com o auxílio da língua, numa espécie de cambalhota dentro da boca.

Fazendeiro era o empregado que cuidava de tudo em volta da casa.

Ele era bravo e brigava com a gente. Nós tínhamos ordem para obedecê-lo e isso fazia com que ele se sentisse a “autoridade”. E ái de nós se não o obedecêssemos... Era candonga na certa. No dia seguinte podíamos esperar pela bronca de Tia Lena.

Ele buscava água na biquinha, rachava lenha para alimentar o fogão e a caldeira, dava comida para os bichos.

E olha que os bichos não eram poucos: galinhas, patos, marrecos, gansos, perus, passarinhos do imenso viveiro. Acho que ele também cuidava da ceva dos porcos, e de todo e qualquer outro bicho que aparecesse.

De tempos em tempos, sempre havia uma novidade. Ora eram codornas, ora eram coelhos. Sem esquecer dos bichos do mato que apareciam... preás, pacas, e outros tantos.

Fazendeiro usava o banheiro de fora, ao lado da casinha de doces, e todos os dias, à tardinha, vinha alguém da sua casa, que era lá no alto do morro, trazendo nos braços como se fosse uma grande bandeja, a sua roupa limpa e passada, embrulhada numa toalha feita de sacos de açúcar muito branca. Ele pegava aquela “encomenda” e se dirigia ao banheiro. Nós ficávamos na varanda de trás, já de banho tomado, esperando Fazendeiro saía todo limpo e arrumado. O que nós gostávamos de ver eram os tamancos que ele usava depois do banho.

Ah... aqueles tamancos... de uma madeira clara, com uma tira de pano presa com tachinhas... muito simples.... mas como eu era louca para ter um tamanco daqueles!

Puxa vida! Nunca tive um...

Um comentário:

  1. Astrid, suas histórias são ótimas e vc as conta muito bem; não nos deixe esperando no terraço, venha sempre, tá?

    beijo

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