segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O CARDÁPIO

O fogão era à lenha.
 
As panelas, imensas, areadas com sabão amarelo. Brilhavam feito espelho.
 
O feijão cozinhava lentamente durante três dias no caldeirão localizado bem no fundo da chapa. Não havia panela de pressão.
 
A canijiquinha era sagrada.
 
O arroz branco, soltinho... delicioso.
 
As carnes eram variadas: boi, vitela, búfalo, porco, galinha. De vez em quando apareciam umas carnes exóticas: jacaré, rã, paca, tatu, preá. Os peixes, sempre do açude ou do rio: traíra, tilápia, piaba e caximbau.
 
As verduras, fresquinhas, da horta. Os legumes, esses vinham de Conceição de Macabu.

As frutas eram colhidas no imenso pomar. Havia manga, jambo, pinha, laranja lima, laranja bahia, laranja tanja, lima, cajá, goiaba branca e goiaba vermelha, banana maçã, banana prata, banana ouro, banana caturra, banana da terra e banana figo, jabuticaba, araçá, caju, ameixa, abacate, graviola, romã, cabeludinha e caqui.
 
Havia ainda as frutas do mato: mandacarú, que Tia Lena adorava e banana macaco, que só Tia Neida comia. 

Era uma banana miúda cheia de caroços. Horrorosa.

E havia também as frutas da estação, que eram aquelas "especiais" plantadas no terreno em frente à casa: abacaxi, melancia e melão.
 
Maçã, pera, uva e nectarina, somente no Natal e no Ano Novo.
 
Nas refeições, para beber, somente água. Gelada. Água da biquinha. Limpa. Cristalina. Puríssima. Da nascente, lá no alto do morro, que chegava todos os dias numa lata na cabeça de Fazendeiro. A lata vinha coberta com um pano de saco de açucar alvejado e impecavelmente passado. Aliás, todas as roupas eram impecavelmente passadas. Até mesmo as toalhas de banho, que ficavam com os felpos todos amassadinhos... Mas era assim: tudo muito limpo e no capricho.

O café era forte, médio e fraco. Este último chamado de "água de batata"... era amarelinho... bem fraquinho e muito doce. Era o das crianças. É! Criança não podia tomar café forte pois "fazia mal".

A papa de milho era um capítulo a parte. Arroz doce com canela. E canjica branca, na Semana Santa.

Os doces eram sempre feitos de frutas: mamão espelho, jenipapo, abóbora, goiaba. Era uma infinidade. Até doce de tomate! 

Coisas de Tia Lena!



domingo, 4 de setembro de 2011

A varanda "da frente" e o passeio de cimento onde eram colocadas as cadeiras em noite de lua cheia


A varanda "de trás"... a mesma mesa... o mesmo banco... a mesma cadeira... a mesma mureta...


"FAZENDEIRO" E OS BICHOS


- Cá, Guei!
- Cá, Gão!
- Cá, Guerreiro!

Não era assim que deveríamos chamar os cachorros.

Vovô brigava e dizia que o modo correto de se chamar os cães era assim:

- Guei, cá!
- Gão, cá!
- Guerreiro, cá!


De Gão, eu não me lembro. Nem sei se morreu antes mesmo de eu nascer, mas o nome dele era citado sempre.

Guerreiro morreu antes. Era amarelo e meio fedorento. Era desengonçado, de pêlo curto e rabo longo. Não era de muitos amigos, na verdade era muito circunspecto, mas tinha os olhos doces.

Guei. Esse sim era o mais bonito. Uma espécie de colie, vira-lata, mas com porte de quem tem um belo pedigree. Era peludo, meio lanoso, em diversas tonalidades: preto, acinzentado, amarelo e marrom. Parecia um arco-íris em tons de “marrom e preto meio embaçado”.

Na época eu o achava lindo. Hoje, na verdade, tenho a sensação de que era horroroso!

Fedia. Acho que nunca tomou um banho sequer na vida. Era muito bravo e detestava crianças.

Saia atrás do cavalo de Vovô e voltava fedendo mais ainda. Se embrenhava nas valas e voltava molhado e cheio de picos. Ninguém botava a mão nele. Só Fazendeiro.

Ah! Fazendeiro... Esse era o apelido de um empregado da Fazenda. Ele usava dentadura com um detalhe em ouro bem no dente da frente. Ele dizia que ouro no dente era coisa de gente rica, de “fazendeiro”... e por isso mandou botar o detalhe na dentadura. Acho que foi um cigano quem incrustou o tal “ourinho” na dentadura de Fazendeiro.

Aquela dentadura... tínhamos horror a uma mania de Fazendeiro: ele revirava a dentadura com o auxílio da língua, numa espécie de cambalhota dentro da boca.

Fazendeiro era o empregado que cuidava de tudo em volta da casa.

Ele era bravo e brigava com a gente. Nós tínhamos ordem para obedecê-lo e isso fazia com que ele se sentisse a “autoridade”. E ái de nós se não o obedecêssemos... Era candonga na certa. No dia seguinte podíamos esperar pela bronca de Tia Lena.

Ele buscava água na biquinha, rachava lenha para alimentar o fogão e a caldeira, dava comida para os bichos.

E olha que os bichos não eram poucos: galinhas, patos, marrecos, gansos, perus, passarinhos do imenso viveiro. Acho que ele também cuidava da ceva dos porcos, e de todo e qualquer outro bicho que aparecesse.

De tempos em tempos, sempre havia uma novidade. Ora eram codornas, ora eram coelhos. Sem esquecer dos bichos do mato que apareciam... preás, pacas, e outros tantos.

Fazendeiro usava o banheiro de fora, ao lado da casinha de doces, e todos os dias, à tardinha, vinha alguém da sua casa, que era lá no alto do morro, trazendo nos braços como se fosse uma grande bandeja, a sua roupa limpa e passada, embrulhada numa toalha feita de sacos de açúcar muito branca. Ele pegava aquela “encomenda” e se dirigia ao banheiro. Nós ficávamos na varanda de trás, já de banho tomado, esperando Fazendeiro saía todo limpo e arrumado. O que nós gostávamos de ver eram os tamancos que ele usava depois do banho.

Ah... aqueles tamancos... de uma madeira clara, com uma tira de pano presa com tachinhas... muito simples.... mas como eu era louca para ter um tamanco daqueles!

Puxa vida! Nunca tive um...