terça-feira, 31 de maio de 2011

Rua Alberto Torres, nº 155.

Era a casa de Vovó Senhora. Minha bisavó. Senhora austera no trajar. Era viúva. Só usava roupa preta. Até mesmo o sutiã.

A casa era enorme, ia de uma rua à outra. Tinha nos fundos, um corredor longo, onde tentávamos aprender a andar de bicicleta segurando nas paredes. Eu nunca consegui aprender, até mesmo porque era uma bicicleta gigante, masculina, daquelas em que o freio era no pedal, completamente imprópria para uma criança usar.

Mesmo assim era divertido, mas bom mesmo era o carrinho de “rolemã”! Naquele corredor comprido, um sentava no carrinho e outro empurrava com o cabo de uma vassoura. Que delícia! Posso ainda sentir o vento batendo nos meus cabelos e também as dores das “raladas” de cotovelo na parede resultante das manobras mal feitas. Mas eu estava segura: Tia Nilda e Tia Marcia me protegiam...

E o cheiro daquele quintal...

Havia “cheiros” e também “texturas”.

Tinha um “quarador”, onde eu adorava ficar passando a mão na superfície lisinha, sempre esbranquiçada pelo acúmulo de sabão, que quando o sol estava a pino, recendia um cheirinho característico de roupa quarada que eu nunca senti em nenhum outro lugar.

Outro “cheiro” gostoso vinha do pé de abricó. Havia um pequeno caramanchão com um banquinho de blocos de cimento onde eu me fartava de abricó: aquela frutinha redonda cuja polpa amarela parecia talco. Como eu gostava...

Tinha um porão, com forte cheiro de mofo que me sufocava. A janela do porão ficava logo abaixo da janela do quarto da dona da casa, e eu, na minha cabeça de criança, fazia analogia às roupas pretas... Aliás, na minha memória, era a única janela da casa que tinha grade. Eu tinha pavor àquele cantinho do jardim.

Mas o melhor de tudo eram as pessoas que moravam e que frequentavam aquela casa: as minhas tias queridas e os amigos. Dezenas de amigos. E eu, a sobrinha, pequena e cheia de dengo e vontades, reinava absoluta.

De repente, eu saí do transe. Um rapaz moreno me futucava o braço, querendo me entregar o ticket do estacionamento. Momentaneamente, me assustei, mas logo retomei o presente: eu estava no estacionamento rotativo, guardando o meu carro exatamente embaixo do pé de abricó.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Fazenda Bom Destino - Triunfo - Santa Maria Madalena/RJ

Boneca de papel... doce lembrança (e-mail para CRAW)

Claudia,

Eu brincava demais com boneca de papel... Nossa! Quanta saudade!

Esse seu e-mail me fez lembrar de algo que já não penso faz uns 40 anos... Meu Deus! Como eu fui uma criança feliz!

Na fazenda, as revistas chegavam fresquinhas todas as terças-feiras, quando meu avô ia na cidade. Eram MANCHETE, O CRUZEIRO, A CIGARRA, GRANDE HOTEL, CLAUDIA e MANEQUIM. Além das palavrinhas cruzadas (as minhas eram PICOLÉ).

Quando as revistas chegavam, as crianças não podiam nem pegar para não estragar. Primeiro, os adultos as folheavam e nós, as pequenas, ficávamos ao lado só sentindo aquele cheirinho gostoso de tinta de revista que recendia cada vez que uma página era virada.
 
Só na outra semana, quando a revista ficava "velha" é que minha tia nos permitia o deleite. Mas era um deleite controlado, pois alguns exemplares traziam "notícias muito importantes" que precisavam ser arquivadas pois faziam a história do nosso país.
 
Você acredita que eu ainda tenho guardada - impecável - a edição da Revista Manchete com a cobertura completa da inauguração de Brasília?!
 
Mas... vamos às bonecas de papel!
 
Pois eram nas páginas das revistas que nós posicionávamos a boneca sobre uma fotografia, geralmente de uma mulher muito bem vestida, e traçavamos um belo vestido para nossas bonecas, que não eram nossas filhas, e sim nós mesmas. Recortávamos cada página de revista com todo o esmero possível, para não desperdiçar nem um pedaçinho daquele colorido lindo. Me lembro de um anúncio das "colchas Madrigal", onde aparecia uma cama enorme, coberta pela colcha de chenille... e em cada edição, vinha uma cor... nossa! Era puro delírio. A minha boneca tinha diversos vestidos de chenile das "colchas Madrigal"!
 
Você não imagina quantos vestidos usados por Tonia Carrero, Eva Wilma, Sofia Loren, Elizabeth Taylor e outras celebridades, que num passe de mágica passaram a integrar o "meu" guarda-roupa... Afinal, eu era a boneca.
 
Recortávamos aqueles quartos lindos, as salas e as cozinhas divulgadas nas revistas e colávamos na parede (com cola feita de farinha de trigo com água) e imaginávamos ser a nossa casa. Usávamos cola feita com farinha de trigo e água quente, pois assim que terminávamos a brincadeira, tínhamos que desmanchar o rastro da sujeira. Vovó não admitia que sujássemos as paredes e sendo cola de farinha, bastava uma paninho com água e um pouquinho de sabão de côco que a parede ficava impecável novamente.
 
Puxa vida, Claudia!
 
Que delícia de lembrança esse seu e-mail me provocou.
 
MUITO OBRIGADA!!!
 
Com carinho,
 
Astrid